sábado, 9 de março de 2013

Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 03

3. Jogos de influências: a "moda" fascista e as ditaduras

A influência fascista é mais notável e promissora nas classes dirigentes latinoamericanas, sobretudo entre os intelectuais e nas forças armadas, inclusive o clero - seguindo a linha flexível de Pio XI- não é exento da sedução fascista [58]. Diferente do socialismo, do anarquismo e do comunismo, que penetram "desde baixo" (nos setores operários e proletários, especialmente os de ascendência europeia), o fascismo se introduz geralmente "desde cima" e no setor médio da população (com a exceção das colônias italianas, onde representa um fator de identidade nacional) [59].

As classes dirigentes veem no fascismo um recetario para resolver os problemas nacionais e se ligar a uma ideologia "de moda", com um futuro que parece então promissor. A oferta de um modelo político modernizador (nacionalista, corporativo, mobilizador etc) capaz de fortalecer as comunidades nacionais, consolidar os Estados, fortalecer a liderança autoritária e propôr, além disso, uma mudança no equilíbrio geopolítico favorável tanto às potências emergentes como às "periferias" dependentes aparentava obviamente ser algo atrativo e em sintonia com problemáticas gerais e conjunturais (integração nacional, industrialização incipiente, crise econômica, imperialismo "plutocrático", rivalidades regionais, rezagos oligárquicos, debilidades institucionales). Nesta perspectiva, o fascismo é buscado de maneira pragmática e utilitarista para solucionar problemas específicos e encontrar uma saída. Um interesse, então, não por ideologia em si, senão pelos resultados positivos que se esperam do modelo de acordo com a leitura e reinterpretação que prevalesce na região. As classes médias urbanas sentem também esta atração e, além disso - respondendo a um impulso similar ao europeu - buscam no fascismo um referente que encaixa na ambisão de se promover como nova classe dominante, às custas das velhas oligarqias liberais e evitando o perigo proletário e rural. Tanto o pragmatismo da aproximação assim como a escassa consistência demográfica das classes médias urbanas e das elites intelectuais e castrenses mais sensíveis ao chamado fascista, ajudam a entender porque a ideologia fascista não consegue em nenhum lado se estabelecer como novo paradigma ideológico.

Contudo, justamente por esta penetração elitista em setores-chaves de cada país (intelligentsia, pequena e média burguesia, exército), o fascismo tem um impacto político mais visível e mais consistente, e é capaz de ocasionar o alarmismo norteamericano. Carleton Beals manifesta estes temores - que são bastante comuns nos Estados Unidos durante esta época - em 1938.

"No geral, na América hispânica os esforços diplomáticos, econômicos e políticos soviéticos terminaram quase sempre em fracasso. A tendência da maioria dos países é francamente fascista e pró-nazi. Os vários regimes ditatoriais expressam todos aberta ou secretamente simpatia por Hitler e Mussolini. Todos estão a favor de Franco, com exceção da Costa Rica, México e, em certa medida, a Colômbia" [60].

Naturalmente estas considerações expressam ante tudo um clima de nervosismo ou histerismo pré-bélico que faz ver "fascismos" em todas as partes, ainda que se trate de meros inventos propagandistas, de imitações superficiais ou de fenômenos francamente distintos. Os Estados Unidos além disso aproveita habilmente a "ameaça fascista" - exagerando o suposto perigo mediante a propaganda - para promover sua democracia, avançar na região e extender sua hegemonia econômica e política.

O que é sim é certo é a disponibilidade das ditaduras em adotar uma roupagem "fascista" para lhes dar alguma consistência ideológica e icônica "de moda" a regimes pessoais e de ordem (ou castrenses), para lhes dar brilho e legitimidade ao exercício autocrático do poder. Na Venezuela, Juan Vicente Gómez - um velho ditador tradicional - paquera com o fascismo e assume o formato de um "duce" bolivariano: os italianos naturalmente não mordem o anzuelo, mas aproveitam esses marabalismos imitativos para extender sua influência. Em Cuba, Batista é tentado a se inclicar ao fascismo, mas evita emulações por demais francas para não criar inimizade com os Estados Unidos. Na Guatemala, Ubico também dá um barniz "fascista" a sua ditadura, para estar na moda e proclamar a modernidade de seu regime. O México é um caso à parte, pois seus governantes em sentido estrito não são ditadores, aqui se respeitam formalmente os princípios democráticos (constituição, legalidade, eleições, alternância dos mandatários etc), mas há uma forte tendência estrutural para o fascismo, visível o corporativismo oficial, o partido único, o nacionalismo e a formato cesarista de alguns presidentes, especialmente de Elías Calles e Cárdenas.

Também o Chile apresenta uma situação insólita. Neste país o fascismo italiano desperta interesse desde o começo, mas é a partir de 1927, com a ascensão ao poder do coronel Carlos Ibáñez, que se podem perceber influências concretas. Seu regime autoritário se inclina ao controle dirigido da economia e a formas corporativas no campo social inspiradas no exemplo italiano. Contudo, com o carecer de uma base ideológica e organizativa (quer dizer, não sendo um verdadeiro fascismo) [61], cai repentinamente como consequência da crise econômica em 1931. A saída de Ibáñez propicia a formação (1932) de um novo agrupamento radical, o Movimiento Nacional Socialista (abreviado como "nacista" ao estilo alemão) inspirado mais no nacional-socialismo de Hitler ue no fascismo de Mussolini. Ao não conseguir se aproximar do poder, este movimento, liderado pelo advogado Jorge González von Marées e com o suporte teórico de Carlos Keller, na segunda metade da década de trinta sofrerá uma evolução errática ante à esquerda, até se aproximar de posições comunistas [62].

Na área andina se observa o surgimento de ditaduras efêmeras de inspiração "fascista". O Peru começa um breve experimento fascisitizante ou pseudo-fascista em 1936 com a ditadura de Óscar Benavides, um militar que conheceu pessoalmente Mussolini durante sua missão diplomática na Itália. Seu primeiro-ministro, José Riva Agüero, membro da velha aristocracia, teoriza um corporativismo autoritário de tendência católica e se convence de que o fascismo é uma reedição moderna do corporativismo medieval, capaz de enfrentar o perigo socialista. Outro teórico importante é Raúl Ferrero Rebagliati, filho de um italiano, que se encontra mais próximo do modelo fascista de Mussolini [63]. A favor do fascismo se expressa também o diretor do jornal de Lima El Comercio, Carlos Miró Quesada. Apesar da presença desses intelectuais, o "fascismo" da ditadura de Benavides é elitista, não tem uma base de apoio entre as massas. Estas são mais atraídas pela Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA - fundada em 1924 por Víctor Raúl Haya de la Torre). A APRA, que está na oposição, tem também alguns traços vagamente fascistas: socialismo nacional (como elementos marxistas), anti-americanismo, populismo, espírito revolucionário que "parece sugerir uma afinidade profunda com o fascismo de esquerda" [64]. Esta organização aponta o desenvolvimento de "uma forma de fascismo nacionalista para impedir a penetração econômica estrangeira e proteger sua própria [burguesia] capitalista e industrial incipiente" [65]. Existe, além disso, um pequeno movimento "fascista" popular, a Unión Revolucionaria, UR, fundada em 1931 por Juan Sánchez Cerro (presidente do Peru antes de Benavides), abertamente inspirado no fascismo italiano (em 1933 a UR forma uma legião juvenil de "camisas negras"). Neses anos o Peru vive, por assim dizer, uma situação paradoxal, com um governo autoritário (Benavides) que busca se dar um formato fascista e uma oposição com fisionomias fascistizantes (APRA), que, entretanto, qualifica-se por uma espécie de "marxismo" nacionalista e indigenista. As infuências italianas, por demais, são perceptíveis [66].

A Bolívia, por seu lado, experimenta uma aproximação mais séria para o fascismo, devido à conjuntura que vive o país com a derrota na Guerra do Chaco (1932-1935). No pós-guerra entre os bolivianos cunde um clima de insatisfação similar ao da Itália e da Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial. A agitação dos ex-combatentes favorece a condensação do protesto popular contra a oligarquia mineira responsável pela derrota e sob suspeita de servir a interesses internacionais. Além disso, as missões militares italiana e alemã deixam uma forte influência no exército (com destaque da presença de Ernst Röhm, chefe da SA alemã). Em 1936 com o nome de "revolução militar socialista" um golpe de estado leva ao poder uma junta militar. Primeiro o coronel David Toro, e depois o coronel Germán Busch, buscam atrair os setores populares e fundar (sem consegui-lo) um "partido socialista de Estado que se aproxima parcialmente do fascismo" [67]. O quadro ideológico do novo regime é o socialismo nacional, com um formato fascista de esquerda, que se assemelha em alguns aspectos ao modelo mexicano e parece antecipar o peronismo argentino. Busch olha com cuidado a Itália e a Alemanha e encarrega a recorganização das forças de polícia a uma missão italiana [68]. Os observadores italianos se entusiasmam com este jovem militar e saúdam a "Nova Bolívia [...] primeiro estado totalitário da América" [69]. Em 1938, como consequência de seus intentos de submeter a oligarquia, Busch perde o apoio de uma parte do exército e, por falta de apoios, resolve se suicidar. Um regime militar conservador lhe sucede, mas o legado do socialismo nacional de Busch perdura em dois novos partidos: a Falange Socialista Boliviana, FSB e o Movimiento Nacional Revolucionario, MNR70.

Além desses experimentos ambíguos e oscilantes entre militarismo, nacionalismo e socialismo, o fascismo italiano (no sentido estrito e completo da expressão) encontra outras limitaçõs em sua difusão. Uma destas é a influência paralela que exercem, desde 1933, o nacional-socialismo alemão e o falangismo espanhol. O primeiro se apresenta em pouco tempo como uma versão mais eficiente do fascismo, como expressão política de um país industrial com maior capacidade de penetração econômica na região e, por isso, com um peso específico muito maior nas relações internacionais [71]. Quando a Itália proclamava seu imperialismo lírico-político, a Alemanha além da cultura e ideias oferecia às pragmáticas classes dirigentes latinoamericanas, produtors, mercados e assistência técnica. O nacional-socialismo teve influências em vários movimentos, como, por exemplo, nos camisas verdes brasileiros e nos camisas douradas mexicanos, cujos uniformes recordam os da SA alemã e tendem ao antissemitismo. A bandeira da AIB - um Sigma negro num círculo branco sobre um fundo azul, é recalcada sobre a bandeira nacional-socialista. O segundo - desde que foi fundada a Falange na Espanha, por José Antonio Primo de Rivera - apareceu como a "versão hispânica" do fascismo: mais católica, menos modernista e menos socialista que o original italiano. E com toda projeção da Espanha nacionalista na América Latina, o falangismo tinha possibilidades de expansão consideráveis por ser mais próximo das raízes históricas e culturais do continente [72]. A difusão da falange foi notável e suscitou em seu momento as preocupações norteamericanas no âmbito do alarmismo quintacolunista pela influência do Eixo na América [73]. Outro obstáculo, enfim, era o próprio nacionalismo nativo, "um nacionalismo [...] em alguns casos tão intransigente que ofusca a vista" [74].

Notas:

58 Ver para el caso argentino Loris Zanatta, Del Estado liberal a la nación católica: Iglesia y ejército en los orígenes del peronismo; 1930-1943 (Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes, 1996).

59 Ludovico Incisa di Camerana, I caudillos, 233.

60 Carleton Beals, The Coming Struggle for Latin America (Philadelphia: Lippincott, 1938), 156. Del mismo autor cfr. "Black Shirts in Latin America", Current History 49: 3 (Noviembre 1938): 32-34.

61 Según Oreste Villa, L'America Latina, 54. "Ibáñez en Chile debe recordarse [...] como una especie de dictador a las órdenes de la masonería. [...] Un dictador de esta índole tenía forzosamente que llevar Chile a esas consecuencias negativas que se manifestaron después con revoluciones y contrarrevoluciones".

62 Cfr. Víctor Farías, Los nazis en Chile (Barcelona: Seix Barral, 2000). En 1937 los nacionalsocialistas chilenos se declaran "democráticos", rompen públicamente con el nacionalsocialismo hitleriano y obtienen 3.5% de los votos en las elecciones.

63 José Ignacio López Soria, El pensamiento fascista, 1930-1945 (Lima: Mosca Azul, 1981).

64 Grifn, The Nature, 149.

65 James Earle K., "APRA's Appeal to Latin America", Current History 41: 1 (Octubre 1934): 39-44, aquí 44.

66 Cfr. Orazio Ciccarelli, "Fascism and Politics in Peru during the Benavides regime, 1933-39: The Italian Perspective", Hispanic American Historical Review LXX: 3 (Agosto 1990): 405-432.

67 ASMAE, AP 1937-40, Situazione Paesi, Quaderni segreti, Quaderno No. 8 (Bolivia), Situazione politica nel 1937, 5.

68 Lucilla Briganti, "I rapporti tra Italia e Bolivia dall'epoca del primo "socialismo militare" alla rottura delle relazioni diplomátiche (1936-1942)", Africana. Rivista di Studi Extraeuropei (1998): 71-96.

69 Lucio Angelini, "La Bolivia, primo stato totalitario d'America", Gerarchia XIX: 11 (noviembre 1939): 752-754.

70 La primera -corporativa, católica y autoritaria- es de inspiración falangista más que fascista. La segunda -fundada en 1941 por Víctor Paz Estenssoro- es más cercana al fascismo y es infuenciada en algunos aspectos por el nacionalsocialismo alemán (antisemitismo). En 1943, el MNR promueve un golpe de jóvenes oficiales del ejército que lleva al poder el mayor Gualberto Villaroel, que se mantiene en el poder hasta 1946. Paz Estensoro llegará al poder en 1951 y cumplirá con una revolución socialista nacional que logrará fnalmente derrotar a las oligarquías mineras y nacionalizar los recursos naturales del país.

71 Con respecto a la competencia entre Italia y Alemania, Ciano en 1936 recomendó al embajador Cantalupo que se trabajara para que en Brasil se entendiera "que Italia mantiene frme en su puño la vieja bandera de la lucha al comunismo y que hacia el fascismo -reacción primogénita al comunismo- tienen que dirigir sus miradas todas las fuerzas de orden, especialmente aquellas del mundo latino tan vinculado a Roma". Ciano a Cantalupo, Roma, 28 de diciembre 1936, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 5, doc. 684, 757. Un punto de fricción grave entre fascismo y nacionalsocialismo fue ocasionado, en efecto, justamente por la carrera para "orientar" hacia Roma o hacia Berlín el movimiento integralista, que ambas potencias consideraban como virtualmente fascista: cfr. Menzinger a Ciano, Rio de Janeiro, 12 de octubre 1936, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 5, doc. 202, 222, y Lojacono a Ciano, Rio de Janeiro, 27 de septiembre 1937. Vol. 7, doc. 373, 449-451, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997.

72 Justamente en el falangismo se inspiraba el mayor movimiento político latinoamericano de índole radical-conservadora: el Sinarquismo mexicano (Unión Nacional Sinarquista), que llegó a contar con 500,000 miembros.

73 Cfr. Allan Chase, Falange: The Axis Secret Army in the Americas (New York: G. P. Putnam's Sons, 1943).

74 Oreste Villa, L'America latina, 7. El nacionalismo nativo veía con desconfanza sobre todo el intento de retardar la naturalización de los emigrados y politizarlos en función de los intereses de la madre patria. Otros factores que explican la escasa difusión del fascismo italiano son descritos en Alistair Hennessy, "Fascism and Populism in Latin America", en Fascism, a Reader's Guide: Analyses, Interpretations, Bibliography, ed. Walter Laqueur (Berkeley: University of California Press, 1976), 255-262; Payne, Il fascismo, 345; y Franco Savarino, "Apuntes sobre el fascismo", 108.

Fonte: Scielo
Texto: JOGO DE ILUSÕES: BRASIL, MÉXICO E OS "FASCISMOS" LATINOAMERICANOS FRENTE AO FASCISMO ITALIANO
Autor: Franco Savarino
http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-16172009000100009&script=sci_arttext
Tradução: Roberto Lucena

Observação: texto sem revisão.

Ver:
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 02
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 01

Ver também:
O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 1
O Partido Alemão Nacional-Socialista na Argentina, Brasil e Chile frente às comunidades alemãs: 1933-1939 - parte 01

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