quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Império, Nação, Revolução – As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974)

Relações Internacionais (R:I). Versão impressa ISSN 1645-9199
Relações Internacionais n.31 Lisboa set. 2011

As direitas radicais na fase terminal do Estado Novo

Riccardo Marchi
Império, Nação, Revolução – As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974)

Lisboa, Texto, 2009, 439 páginas

O livro tem por objetivo o estudo dos movimentos da direita radical na fase terminal do Estado Novo – a década de 1960 e os quatro primeiros anos da seguinte –, procurando enquadrá-los no quadro geral da história política e ideológica do regime. Por isso, o autor vai mais longe e procura definir as linhas de continuidade/descontinuidade entre este período e os antecedentes.

MOVIMENTOS DE INTELECTUAIS

Os movimentos da direita radical em Portugal são essencialmente de extracção intelectual e têm como pólos os principais centros universitários do país: Lisboa e Coimbra. Aliás, era essa a tradição, como acontecera já com o Integralismo Lusitano, na década de 1920, que acabou por se desagregar no imediato pós-28 de Maio de 1926, a partir do qual as suas facções mais radicais ou desaparecem ou se aproximam gradualmente da nova situação, acabando por se integrar no regime autoritário implantado por Salazar a partir da Constituição de 1933 (vide a Ordem Nova, em que pontificavam Marcello Caetano e Teotónio Pereira). A excepção poderia ter sido o nacional-sindicalismo de Rolão Preto – o único movimento da direita radical concebido para as massas –, prontamente proibido e banido por Salazar que, como acentua o autor, «não era um fascista, não era um chefe de massas, não era um líder carismático à maneira dos anos 30» (p. 390).

Aproveitando a conjuntura política ditada pela II Guerra Mundial e a «lógica bipolar da Guerra Fria» na qual Portugal assume um papel estratégico significativo, Salazar pôde, sem grandes dificuldades, «apagar as tensões políticas que tinham emergido no imediato pós-guerra, reprimir o activismo da oposição, afastar o derrube revolucionário da situação e relegar o tema da abertura do regime a um morno debate interno entre ortodoxos e liberais» (p. 15). O que acaba por afectar a capacidade de acção das facções mais radicais da direita portuguesa que, na década de 1940 e no contexto da guerra, se assumiam como defensoras do fascismo italiano e no nacional-socialismo alemão. Daí que na década seguinte se assista a uma letargia profunda da direita radical, ficando os seus membros limitados «a encontros ocasionais e a manter relações epistolares, de troca intelectual» (p. 17).

Como acentua António Costa Pinto no «Prefácio», o reacender da centelha emerge essencialmente de três catalisadores: «o motor intelectual do neofascismo europeu, a derradeira batalha pela sobrevivência do império colonial português e a chegada ao poder de Marcello Caetano, com o seu ímpeto inicial de reforma do regime» (p. 13).

Ao longo das 400 páginas do seu livro, Riccardo Marchi descreve pormenorizadamente o percurso, por vezes labiríntico e sinuoso, dos movimentos da direita radical em Portugal, cuja periodização essencial pode ser feita em torno de três publicações.

A revista Tempo Presente (1959-1961), que tem como director Fernando Guedes e como membros do Conselho de Redacção Caetano de Melo Beirão, António José de Brito, Goulart Nogueira e António Manuel Couto Viana, cujo ideário assenta na defesa de um corporativismo totalitário neofascista.

O semanário Agora (1961-1969), em que reaparecem antigos militantes nacionalistas da década de 1940, como Raul Carvalho Branco (director e editor), Manuel Saldida e José O’Neill, que, como chefe de redacção, é quem controla de facto a publicação, assumindo-se como porta-voz da «direita "caceteira"». Como sumaria Marchi, o tema principal é a guerra em África, em cujo contexto defendem a construção de «uma frente nacional contra os inimigos da Pátria», a luta contra a «Frente Leste interna» (os traidores instalados no regime, os cépticos, os incapazes, os prudentes), que «integra a panóplia dos inimigos que o nacionalismo radical combate já desde os anos de Alfredo Pimenta: o catolicismo progressista longa manus do comunismo, os liberais-democratas, cuja oposição ao Estado Novo enfraquece o Império em proveito do imperialismo russo-americano, o sionismo internacional» (p. 191). Por não se reverem na linha editorial definida por O’Neill, os homens da Tempo Presente não participam até 1967, ano em que este é substituído por Goulart Nogueira que traz para a redacção «toda a componente neofascista do nacionalismo radical» (p. 197).

Quando Marcello Caetano substitui Salazar, em Setembro de 1968, o Agora salienta sobretudo a continuidade do Estado Novo para além de Salazar, de cuja obra o primeiro não deixaria de ser o prossecutor. Mas, dois meses depois, perante as perspectivas de «abertura», passa ao ataque:
«As páginas do Agora tornam-se um apelo semanal à área nacional-revolucionária para que se estreite em torno dos valores originários da Revolução Nacional dos anos 30 e se oponha a todos os dirigentes do Estado Novo [...] que hoje, iluminados pelos valores liberais-democratas, "se entretêm, por mundos e fundos, a dar-nos conta das excelências dos papelinhos pelos quais se decide tudo [...]"» (pp. 202-203).
A resposta marcelista foi inexorável e feita da maneira tradicional: através da Censura. O semanário vê-se obrigado a fechar definitivamente com o número de 29 de Março de 1969.

MARCELLO CAETANO, A LIBERALIZAÇÃO E O IMPÉRIO

A publicação da revista Política (1969-1974), propriedade da sociedade Edições Polémica, constituída com esse único fim, inicia-se a 22 de Novembro de 1969. Tem como director Jaime Nogueira Pinto e entre os sócios fundadores da editora conta-se Francisco Lucas Pires, ambos integrados na corrente nacional-revolucionária. No entanto, acentua Riccardo Marchi, «não é uma revista nacional-revolucionária» na medida em que nela participam «representantes das diversas almas do nacionalismo português, monárquico, republicano, católico, salazarista, todas convergentes em torno das teses integracionistas» (p. 298), «reunidos à volta da aversão ao Governo de Marcello Caetano e, sobretudo, à ala tecnocrática liberal cada vez mais influente no interior do regime e perigosamente activa nos assuntos vitais para o nacionalismo radical, nomeadamente a política ultramarina» (p. 293). É aliás a «Ala Liberal», ou melhor, o seu espírito (p. 304) presente na Assembleia Nacional depois das eleições de 1969, um dos inimigos principais para os redactores da revista, que julgam as suas posições «à luz do princípio de que as guerras subversivas vencem-se nas frentes de batalha e perdem-se nas retaguardas, com a abertura de fendas demo-liberais no tecido do Estado autoritário, disfarçadas de reformismo modernista» (Ibidem). A campanha contra os liberais da Assembleia Nacional é uma constante em todos os números da revista e intensifica-se desde o Verão de 1972, após a publicação do manifesto da SEDES «Portugal: o País que somos e o País que queremos ser». E «o crescente peso que os liberais assumem no interior das instituições do Estado torna-se uma das culpas mais graves imputadas pelos nacionalistas radicais ao Presidente do Conselho» (p. 306).

A última grande batalha da Política foi o I Congresso dos Combatentes, em grande plano na revista em Junho de 1973. A questão é candente e cara aos nacionalistas, porque, para além da deriva liberal do marcelismo dos primeiros anos, agora estava em causa a própria pessoa do presidente do Conselho que fizera aprovar uma revisão constitucional que apontava para a autonomia progressiva das colónias, que podiam, inclusivamente, adquirir a designação honorífica de «estado».
«Quando, no Inverno de 1972/73 se materializa a ideia de um grande encontro que dê voz aos antigos combatentes, os representantes mais activos da área nacional-revolucionária estão prontos a agarrar a ocasião, para dar um impulso à batalha nacionalista, desta vez não só contra os inimigos declarados de Portugal, mas também contra o poder político incerto» (p. 373).
No entanto, o poder político movimenta-se activamente e acabam por ser afastados do Congresso cujo objectivo de politização dos antigos combatentes também falha rotundamente. «Tratou-se – conclui Riccardo Marchi –, de facto, da última ofensiva da área nacional-revolucionária, na tentativa de dar forma a uma revolução há anos sonhada e que outros, dez meses depois, realizarão numa trajectória diametralmente oposta» (p. 382).

O autor descreve também pormenorizadamente os movimentos do nacionalismo revolucionário no seio da Universidade de Coimbra, cuja acção é despoletada pela crise académica de 1969, com destaque para o Orfeão Académico de Coimbra, a Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra e a Sociedade Cooperativa Livreira Cidadela. Esta última, constituída em Novembro de 1970, apesar de ter recebido a aprovação do então presidente do Conselho – que fora previamente consultado sobre a sua constituição – e, consequentemente, o apoio do regime, acaba por se inserir «na rede heterogénea da oposição de direita ao governo de Marcello Caetano» (p. 265).

Este livro, a todos os títulos pioneiro na historiografia contemporânea portuguesa, constitui um excelente estudo sobre os movimentos da direita radical no Estado Novo desde o pós-guerra, salientando-se nas conclusões que nunca existiu uma «idade de ouro» da direita radical portuguesa e que «a geração do nacionalismo radical dos anos 60 não entra na militância política colhendo o testemunho da geração precedente» (p. 383). Não estão já em causa «nem o restauracionismo monárquico, nem a doutrina contra-revolucionária, nem o debate monarquia/república», nem se trata do «despertar do salazarismo extremo, nem tão-pouco do neofascismo lusitano». O cimento que une os numerosos movimentos que se reclamam do nacionalismo radical «é a reacção contra a agressão dos movimentos independentistas» (p. 384). Numa palavra, não é o regime que está em causa, mas o «Império», que «deve ser entendido como uma ideia-valor não gerada pelo Estado Novo, pelo autoritarismo, pelo fascismo, mas pela História, material e espiritual de Portugal», ou seja, trata-se de «defender Portugal e a maneira lusitana de estar no Mundo» (p. 389).

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José Manuel Tavares Castilho

Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1986), mestre em Sociologia pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (1997) e doutor em História Social Contemporânea pela mesma instituição (2008). Actualmente, é investigador do CESNOVA – Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa. De entre as publicações mais recentes destacam-se os livros Os Deputados da Assembleia Nacional, 1935-1974 (2009) e Os Procuradores da Câmara Corporativa, 1935-1974 (2010).

Fonte: Scielo
http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?pid=S1645-91992011000300018&script=sci_arttext
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