terça-feira, 25 de outubro de 2011

O judeu que soube das intimidades nazistas

Howard Triest, judeu alemão, trabalhou como tradutor
dos psiquiatras estadunidenses em Nuremberg.
É o último sobrevivente da equipe que fez provas psicológicas nos mais altos comandos nazis. Eles nunca se informaram de que seu tradutor era judeu e agora conta suas experiências.
Segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Um judeu alemão que se converteu em tradutor do exército estadunidense é o último sobrevivente da equipe que realizou exames psicológicos em importantes nazistas depois da guerra. Ele explica que aprenderam muito pouco, mas obtiveram um conhecimento único de suas personalidades.

"Se você retira os nomes desses nais, e só se senta e fala com eles, era como se fossem teus amigos e vizinhos".

Howard Triest, de 88 anos de idade, passou muitas horas com alguns dos líderes mais notórios do Terceiro Reich, quando trabalhou como tradutor dos psiquiatras estadunidenses em Nuremberg.

Era setembro de 1945, pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, e os mais altos postos dos nazis que seguiam vivos iriam ser julgados por crimes de guerra.

"Havia visto esta gente em seus tempos de glória, quando os nazis eram os donos do mundo", conta. "Estes dirigentes haviam matado a maioria da minha família, mas agora eu estava no controle".

Entre eles estava o chefe da Luftwaffe, a força aérea alemã, Hermann Goering, o segundo de Hitler, Rudolf Hess, o propagandista nazi Julius Streicher e o ex-comandante de Auschwitz Rudolf Hoess, entre outros.

"É uma sensação muito estranha, estar sentado em uma cela com um homem que você sabe que matou teus pais", disse referindo-se a Hoess.

"Tratamos ele com cortesía, mantive meu ódio sob controle quando estava trabalhando ali. Não podia deixar verem como você se sentia realmente porque não arrancaria nada de seus interrogatórios. Mas nunca dei a mão a nenhum deles".

Escapando dos nazis

Howard Triest nasceu em uma família judia em Munique, 1923, e já era um adolescente quando se intensificou a perseguição nazista.

Sua família partiu para Luxemburgo em 31 de agosto de 1939, um dia antes da Alemanha invadir a Polônia, com a intenção de seguir sua viagem para os Estados Unidos. Mas a falta de dinheiro lhes impediu de realizar a viagem juntos.

Assim que ele saiu antes, em abril de 1940, seus pais e a irmã menor seguiram um mês mais tarde.

Para seus pais, esse atraso foi fatal. Sua mãe Ly, que então tinha 43 anos de idade, e Berthold, de 56 anos, foram enviados mais tarde da França para Auschwitz, onde morreram.

Sua irmã Margot foi contrabandeada até a Suíça e dali aos Estados Unidos, onde ainda vive, como seu irmão.

O intento de Howard de alistar-se no exército dos Estados Unidos foi frustrado a princípio porque não contava com a nacionalidade deste país, mas mais tarde, em 1943, ele a conseguiu. Haviam-no tornado cidadão estadunidense.

Foi destinado à Europa. Aterrissou na praia de Omaha, um ou dois dias depois do Dia D, e começou a trabalhar para a inteligência militar, graças ao fato de que falava alemão fluentemente, uma destreza que se tornava mais valiosa à medida que os Aliados adentravam o continente até Berlim.

No verão de 1945 foi dada baixa, mas imediatamente depois começou a trabalhar para o Departamento de Guerra dos EUA como civil, e foi enviado à Nuremberg para dar assistência ao capitão Leon Goldensohn com suas avaliações psiquiátricas dos réus que esperavam um julgamento.

Foi assim, como um homem judeu, que havia escapado das garras dos nazis, chegou a passar horas em suas companhias, sentado com eles em suas celas, traduzindo as perguntas dos psiquiatras e suas respostas.

O capitão Goldensohn estava levando a cabo diagnósticos com provas como as Rorschach, numa tentativa de entender as personalidades e motivações dos prisioneiros.

As memórias de Triest desta experiência foram recolhidas em um livro "Adentro de la prisión de Nuremberg"(Dentro da prisão de Nuremberg), pela historiadora Helen Fry, que contém esboços vívidos desses personagens.

Hess, o zumbi

"Goering seguia sendo um homem pedante", recorda Triest.

"Era o ator eterno, o homem que estava a cargo. Considerava-se a si mesmo como o prisioneiro número um, porque Hitler e Himmler já estavam mortos. Sempre queria a cadeira número um no tribunal".

"Chegou a Nuremberg com oito maletas, a maioria cheias de remédios, pois era viciado, e ficou surpreso porque o trataram como um prisionero e não como uma personalidade famosa".

Triest também teve contato com Rudolf Hess, que havia sido o deputado de Hitler até fugir para a Escócia, em maio de 1941, onde foi capturado.

Recorda que Hess era "como um zumbi".

"Hess pensava que o perseguiam, inclusive quando esteve detido na Inglaterra. Fez pacotes de amostras de comida e nos dava algumas a mim e aos psiquiatras. Pedia que as analisássemos pois pensava que o estavam envenenando".

"Era um prisioneiro calado, que respondeu algumas perguntas mas não entrou em detalhes. Ninguém sabia quanto havia de atuação e quanto era real, quando realmente podia recordar".

Ódio oculto

Dentro de suas obrigações, Triest também esteve cara a cara com Rudolf Hoess, foi dos encontros mais intensos por conta da morte de seus pais em Auschwitz, quando o campo de concentração estava sob controle de Hoess.

"Tanto Goldensohn como eu estivemos com ele muitas vezes. Algumas vezes eu estive sozinho com ele em sua cela", explica Triest.

"As pessoas costumavam me dizer: 'podes te vingar, podes levar um canivete para sua cela'. Mas a vingança já estava no fao de que eu sabia que que ele estava atrás das grades e seria enforcado. Assim que sabia que ele iria morrer de qualquer jeito. Matá-lo não iria me fazer nenhum bem".

Triest descreve Hoess como alguém "muito normal. Não parecia alguém que havia matado a dois ou três milhões de pessoas".

Um incidente extraordinário ocorreu com Julius Streicher, cujo periódico Der Stuermer alimentou muito a histeria antissemita entre os alemães.

"Era o maior antissemita. Entrevistei-o com outro psiquiatra, o capitão Douglas Kelley. Streicher tinha uns papéis que não queria dar a Kelley, ou a nenhuma pessoa, porque dizia que não queria que caíssem em mãos judias".

"Finalmente ele os me deu. Eu era alto, loiro e de olhos azuis. Ele disse que 'só os darei ao tradutor porque sei que é um verdadeiro ariano. Eu sei pela forma como fala".

"Streicher falou comigo durante horas porque acreditava que eu era um 'verdadeiro ariano'. Arranquei muito mais dele dessa forma".

De fato, nenhum dos nazis para os quais Trieste traduziu souberam que ele era judeu..

Lição aprendida?

Triest explica que, apesar dos melhores esforços dos psiquiatras, não se conseguiu extrair muito sobre a psicologia da mentalidade nazi.

"Aprendemos algo destas provas psiquiátricas? Não. Não encontramos nada anormal, nada que indicasse algo que os tornara os assassinos que foram".

"De fato, eram bastante normais. A maldade e a crueldade extrema podem andar com a normalidade. Nenhum demonstrou remorso".

"Disseram que sabiam que havia acampamentos, mas não tinham conhecimento da aniquilação de gente".

"É uma lástima que não passaram pelo mesmo que suas vítimas, que Hoess não tenha sofrido num campo de concentração da mesma forma que seus prisioneiros".

Triest espera que nunca se esqueça da história do Holocausto.

"Mas olha o mundo agora. É mais tranquilo? Algumas das vítimas mudaram, mas elas ainda existem em todo o mundo".

Antes de terminar a entrevista, Triest conta outra anedota sobre o prisioneiro número um de Nuremberg.

"Uma vez Goering disse que se alguma bomba era lançada em Berlim, comeria arenque. Bem, eu estava encarregado de censurar sua correspondência e uma vez alguém lhe mandou arenque".

Howard ri suavemente. "Eu o coloquei. Cheirava um pouco".

Fonte: BBC Mundo/Semana.com(Reino Unido/Colômbia)
http://www.semana.com/mundo/judio-supo-intimidades-nazis/166285-3.aspx
Tradução: Roberto Lucena

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